“Sinto muito. Eu não devia ter fugido, nunca devia ter fugido. Me leva de volta. Me leva pra casa… por favor”, diz a garotinha, chorando. As lágrimas me lembram de algo que ela disse antes, quando estávamos sozinhos. Colocou a mão no rosto, com uma risadinha triste: “Promete que, se acontecer, você não vai deixar que ele me pegue de volta”, dizia ela, enquanto puxava minha mão em volta em volta do seu pescoço. “Não vai acontecer nada”, eu prometo. Mas acaba acontecendo.
Isso é BioShock Infinite, e BioShock Infinite é uma série de coisas. É um jogo que aprimora a mistura de ação, RPG e uma boa história, resultando em algo capaz de superar o brilhante BioShock original.
É um jogo sobre a discrepância entre as crenças nacionalista e marxista, e sobre o que acontece quando as pessoas levam essas doutrinas longe demais.
Mas, para mim, o mais marcante em BioShock Infinite é a relação de abuso que ele aborda. Elizabeth, a mocinha que eu decepcionei durante uma jogatina parcial, é apresentada como uma princesa metafórica em um castelo de verdade. No início, ela surge como o objetivo do jogo, a donzela esperando para ser salva.
Ela não é uma arma ou um poder especial, ela é uma companhia que, pelo que vi até agora, tem mais respostas sobre o mundo do que o personagem que controlamos em Infinite.
Ken Levine, o chefe da equipe por trás de BioShock, começa a apresentação de Infinite com um prefácio. Se BioShock trazia a exploração de uma cidade já em ruínas, Infinite vai ser uma jornada por uma cidade que está prestes a desmoronar.
“Em Infinite queremos dar ao jogador a sensação de estar em um lugar que está em processo de decadência”, ele diz na sala escura cheia de jornalistas. “E você é uma parte importante disso, um catalisador do conflito dissimulado entre os Founders, que são ultrapatrióticos e defendem a bandeira Americana, e o Vox Populi, grupo internacional marxista criado em resposta aos excessos da cidade”.
A própria cidade é um personagem à parte. Columbia foi concebida como a expressão máxima dos ideais de Thomas Jefferson (terceiro presidente dos Estados Unidos e principal autor da Declaração de Independência do país). Uma cidade reluzente flutuando sobre as montanhas, viajando pelo país. Mas um dia ela simplesmente desaparece.
E então temos Booker Dewitt, um ex-detetive da Agência Pinkerton demitido por ser bruto demais. Atolado em dívidas, ele é contratado para encontrar Elizabeth, que está presa em uma torre de Columbia desde a infância, e trazê-la de volta a Nova York.
O carcereiro (e único amigo) dela é o monstruoso Songbird, uma sinistra mistura entre uma máquina steampunk, um periquito e, como Levine descreve mais tarde, um ex-marido violento. É esse relacionamento entre vítima e executor, entre prisioneiro e carcereiro, que conta a história de uma maneira que o banho de sangue dos ideais políticos jamais conseguiria. É o tipo de história instigante que aprendemos a esperar de Levine.
Essa demonstração a que tivemos acesso faz parte do primeiro terço de Infinite, eles nos dizem. E existe muita coisa para vermos aqui.
A jogatina começa em uma lojinha cheia de souvenires e lembrancinhas. Ursos de pelúcia, cabeças gigantes de Abraham Lincoln para vestir, bustos de George Washington. É vermelho, branco e azul por todos os lados. Mas a loja está abandonada, e o único sinal de vida é uma cama improvisada entre os balcões.
No controle de Dewitt, vasculho o lugar: dinheiro, armas, munição, poções, tudo vai para o inventário. Elizabeth, com seus cerca de 19 anos, parece uma criança em uma loja de doces. Ela pega brinquedos e brinca com a cabeça de Lincoln. Começa uma ventania, e o lugar parece que vai entrar em colapso. Elizabeth grita e corre para se esconder perto do balcão. Eu me agacho por ali e uma luz começa a brilhar entre as rachaduras das janelas. A luz passa pelo balcão, um tom de verde que se congela e fica amarelo. Elizabeth cobre sua boca com as duas mãos.
Quando a luz vai embora, e a ventania acaba, Elizabeth pega a mão de Dewitt e o força a fazer aquela promessa do início do texto.
Depois, Levine mostra como Elizabeth é mais que um simples objetivo no jogo. Ela tem poderes, a habilidade manipular objetos através de “lágrimas” na realidade de Columbia. Elizabeth sabe o que quer: ela tem sua própria moral, sua própria visão de mundo e seus planos. Os poderes e a personalidade dão a ela um papel muito importante no combate, diz Levine.
“Em nenhum momento você precisa protegê-la”, ele diz. “Nós queremos que ela seja uma parte importante da sua estratégia de combate”.
Enquanto você foge do Songbird pela paisagem politicamente complexa de Columbia, os sentimentos que Elizabeth tem pela criatura se manifestam. “Ela tem sentimentos estranhos, complicados em relação ao Songbird“, diz Levine. “Ele é programado para protegê-la, mas atua como um ex-marido violento”. E o melhor exemplo disso é a maneira como acaba nossa demonstração.
Estamos escondidos em um prédio quando Songbird rompe o telhado com o seu bico. Ele invade e agarra o jogador. Mas antes que Dewitt seja estraçalhado, Elizabeth aparece. “Sinto muito. Eu não devia ter fugido, nunca devia ter fugido. Me leva de volta. Me leva pra casa… por favor”. As palavras dela parecem convencer a criatura. Os olhos vermelhos ficam verdes.
Agora chorando, Elizabeth se rende a Songbird. O olhar triste dela não sai de você enquanto a criatura voa para longe e a cena escurece. Levine descreve o momento como “a volta do ex-marido raivoso”. “Ela era como Rapunzel vivendo em uma torre com seus livros e Songbird”, diz ele. “Mas então ela se dá conta de que tudo o que quer é poder decidir seu destino”.
“É a história de duas pessoas atravessando a pior fase de suas vidas juntas e construindo um relacionamento”, conclui Levine.
BioShock Infinite parece estar repleto de ação e momentos em que você precisa tomar decisões que vão afetar o mundo a sua volta. Existem novas mecânicas de jogo que vão ensinar você a manipular objetos através do espaço e do tempo e a “voar” pela cidade através das “sky lines”. Ele consegue transmitir uma sensação de existência que forma o contexto para as suas ações, e tem uma narrativa com forte carga política que aumenta a complexidade de tudo que você faz.
Mas não deixa de ser aquele triste e poético voo do Songbird, uma metáfora para violência doméstica, algo que se destaca entre tantos outros jogos e promete uma experiência que eu espero que seja tão única quanto instigante.
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